Artigo

09/07/2025
Autor: Renata Soltanovitch
Uma inquilina no Código
crônica jurídica

A tarde estava entediante no escritório de advocacia, e a estagiária de Direito, que adorava perambular pelo Fórum João Mendes, sabia que não tinha desculpas para fazer isso, já que os processos, todos digitais, impossibilitavam seu passeio pelos andares forenses.


Tinha orgulho de cursar Direito e de estudar nos mesmos bancos acadêmicos que seu avô — lembrança que a enchia de emoção. Estudiosa, fazia uso da inteligência artificial apenas para conferir as teses que utilizava nas peças apresentadas à sua chefe, além de evitar o uso de linguagem incorreta.


Resolveu passar a tarde na biblioteca do escritório, já que precisava encerrar o expediente antes de ir para a faculdade. Ao folhear um livro sobre o Estatuto da Advocacia, achou interessante saber que o escritório onde trabalhava era inviolável, e que ninguém poderia acessar seus computadores, pastas, armários ou documentos sem uma ordem judicial e sem a presença de um representante da OAB.


Ao imaginar uma situação em que essa inviolabilidade pudesse ser posta à prova, percebeu que a tempestade prometida para o começo da tarde se aproximava. Com ela veio a escuridão — e ela adormeceu.


E ao sonhar, teve a sensação de estar dentro do Estatuto da Advocacia, como se caminhasse por seus artigos. Vestia a mesma roupa que usara no escritório, e por ser sexta-feira, estava mais casual — certa de que não precisaria despachar com nenhum juiz, já que isso fazia tempo que não ocorria presencialmente, o que era, de certo modo, lamentável.


Num dado momento, chegou diante de uma porta com a inscrição: “Prerrogativas”. Ao abri-la, viu seu avô sentado diante de uma mesa de madeira robusta, revisando uma petição com olhos serenos. Ele ergueu o olhar, sorriu e disse:


— Orgulho é pouco. Você entende que defender é resistir. E para isto, é necessário conhecer. Para conhecer, é preciso estudar e ler, ler muito!


Ao tentar responder, os sinos da Catedral da Sé bateram seis horas da tarde. A estagiária despertou com o livro ainda aberto sobre o colo. Sentiu-se feliz, e entendeu, enfim, que o advogado era mais do que indispensável à administração da justiça. Ele era a própria justiça!!!!