Artigo
A consagração da psicografia após a era Chico Xavier (1910-2002), foi seguida por um fenômeno editorial caracterizado pela enorme quantidade de volumes que foram lançados na última década. Quando surge uma obra literária psicografada, a quem pertencem os direitos autorais?
A advogada Renata Soltanovitch (foto), mestre em Direito pela PUC-SP e autora do livro Direitos Autorais e a Tutela de Urgência na Proteção da Obra Psicografada (Editora Leud), defende que o autor, ou seja, a pessoa humana capaz de direitos e obrigações “terá sua obra (mediúnica ou não) protegida, mesmo que ela tenha sido ditada, inspirada ou escrita por um espírito”. “Há quem defenda que o médium possui apenas o direito autoral conexo, isto porque a maioria dos médiuns reconhece que aquele direito não caberia a ele, já que estaria apenas ‘reproduzindo’ a mensagem do morto. Por terem se referido ao termo ‘reprodução’ imaginei que não haveria o Direito Autoral puro, mas o direito conexo devido à ‘tradução’ daquilo que o espírito lhes narrou.” No entanto, no decorrer da pesquisa (que fundamentou sua tese de pós-graduação pela Escola Superior da Advocacia - ESA) ela concluiu que o Direito Autoral pertence ao próprio médium que psicografou a obra.
A discussão sobre o Direito Autoral da obra psicografada tem instigado os operadores do Direito, tendo como mote a ação judicial movida em 1944 contra Chico Xavier pela família do jornalista, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, Humberto de Campos. Os autores pediam que o médium e a Federação Espírita Brasileira apresentassem provas cabais de que os textos seriam realmente do ‘espírito’ do falecido, sob pena do pagamento de indenização por perdas e danos. A ação foi julgada improcedente.
Manuscritos
Em ocasiões distintas, dois manuscritos procedentes do espírito de pessoas assassinadas e psicografadas por Chico Xavier foram anexados em processos. Os mortos inocentaram seus algozes e os agressores acabaram absolvidos pelo júri. Os casos ainda são temas de estudos para os que tentam fundamentar a legitimidade da prova ou questionar a eficácia desse instrumento em processos judiciais. Em 2007, o então deputado Robson Rodovalho (DEM-DF) apresentou o Projeto de Lei 1.705/2007 para alterar o caput do artigo 231 do Decreto-Lei de 3/10/1941. A proposta visava desconsiderar como documento o texto resultante de psicografia no âmbito do processo penal. O projeto foi arquivado em 2/2/2012. Para Renata Soltanovitc, todas as provas admitidas em Direito poderão ser analisadas no momento do juiz proferir a sentença. Ficará a critério dele aceitar ou não o documento, como, por exemplo, um testamento psicografado versando sobre distribuição de bens depois que a pessoa partiu para outra vida. “Nesse caso creio que, se as partes presentes concordarem com os termos, na hora da partilha poderá haver um acordo entre elas, mesmo que não ocorra o reconhecimento do documento.”
Tutela de urgência
Ao propor a tutela de urgência, o objetivo é a proteção da obra psicografada pelo seu caráter diferenciado. “Não se trata de um trabalho intelectual, mas de produção que, na maioria das vezes, traz um conteúdo de fé, esperança e conforto. E, normalmente, os valores arrecadados com a comercialização são doados a entidades assistenciais, como fez Chico Xavier que transferiu os direitos à instituição espírita”, explica Renata. Ela lembra que direitos autorais valem por 70 anos a partir do falecimento do autor e pertencem aos seus familiares diretos. Sugere que a melhor forma de o médium se proteger seria o uso de um codinome, ao invés de empregar o nome do falecido, a não ser que haja autorização da família. Caso contrário, os herdeiros poderão acioná-lo judicialmente fundamentados na utilização indevida do nome, biografia não autorizada ou no plágio, caso a pessoa, quando viva, tenha produzido um texto sem publicá-lo, e posteriormente o médium venha a apresentar outro de idêntico teor.
Pintura mediúnica
“A psicopictografia é um fenômeno raro e são poucos os que nascem com essa aptidão”, afirma a advogada Previdenciária Irene Bárbara Chaves, que atua voluntariamente na Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) como dirigente de treinamento de pintura mediúnica. Ela afirma que poucos nascem com esse dom e com a missão de despertar o espiritismo através da arte (da psicopictografia), como Luiz Antonio Gasparetto no início das suas manifestações mediúnicas. A maior parte das obras psicopictografadas corresponde aos períodos do Iluminismo (século XVIII) e Impressionismo (século XIX). Para a advogada, os pintores e outros artistas da época, em grande parte, foram gênios que se comprometeram espiritualmente, e se prejudicaram pela vaidade e orgulho. “Alguns não desenvolveram a religiosidade interior. A psicopictografia é uma atividade espírita de amor e caridade, onde o médium (no plano físico), auxilia o espírito-pintor (plano espiritual), a desenvolver a religiosidade interior. O espírito-pintor auxilia o médium na forma de criar e desenvolver essa arte, e tem por finalidade última atentar às necessidades materiais das assistências sociais da FEESP”, acrescenta.
Hoje várias instituições espíritas entendem ser necessário um treinamento prévio do médium para exercer a pintura mediúnica, oferecendo recursos que serão utilizados pelo espírito-pintor para melhor desenvolvimento desse tipo de arte. A advogada esclarece que, na FEESP, a duração do treinamento é de um ano, podendo chegar a dois anos.
Quanto a assinatura e posterior destinação dessas pinturas mediúnicas, Irene Chaves afirma que as telas são identificadas apenas com o nome do médium que realizou a pintura e com o carimbo da FEESP. “Em geral são doadas ou vendidas em benefício das obras assistências da entidade.”
A advogada lembra que a proteção jurídica dos direitos autorais sobre a arte em geral está prevista no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Na psicopictografia o autor é o médium, mas ele doa os direitos para uma instituição, nesse caso, a FEESP”, finaliza Irene Chaves.
Fonte: Tribuna do Direito, pg 13 - Junho/2015
Imagens: Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, foi um médium, filantropo e um dos mais importantes expoentes do Espiritismo e Hippolyte Léon Denizard Rivail foi um influente educador, autor e tradutor francês. Sob o pseudônimo de Allan Kardec, notabilizou-se como o codificador do Espiritismo, também denominado de Doutrina Espírita