Artigo

06/07/2025
Autor: Renata Soltanovitch
O julgamento e o chá de camomila
Conto

Parecia ser uma audiência de conciliação tranquila. De um lado, o motorista de caminhão de uma grande construtora, acompanhado de seu advogado — vestindo um terno caro e ostentando um relógio de marca famosa no pulso.


Do outro lado da mesa, estava ela: uma jovem moça de óculos, recém-habilitada. Cautelosa, é verdade. Sua advogada, coincidentemente, também era recém-formada. Mas estudiosa — também é verdade.


Naquele dia, por ironia do destino, o juiz de plantão decidiu presidir a audiência de conciliação. Afinal, não queria atrasos em seu tribunal. Seus processos, sempre em dia, lhe permitiam conduzir essas sessões, pois reconhecia a importância de um bom acordo — ou, na ausência dele, de um julgamento célere.


Era um caso de acidente de trânsito.


Enquanto a jovem motorista alegava que o caminhoneiro fazia manobras bruscas na obra daquela estreita rua, ele retrucava dizendo que ela deveria primeiro aprender a pilotar um fogão antes de tentar dirigir um carro.


O juiz até achou graça no comentário, lembrando-se de sua saudosa avó — uma excelente motorista que o levava à escola todos os dias quando era estudante. Ela costumava dizer que um homem que não consegue pilotar um fogão com duas panelas ao mesmo tempo não tem condições de dirigir ouvindo música.


Empolgado com a reação do magistrado, o advogado — pouco atualizado com as normas vigentes — resolveu reforçar o estereótipo, reformulando o comentário do seu cliente.


Mas o juiz, percebendo o nervosismo da moça e de sua advogada, sorriu para ambas. Ofereceu-lhes um chá de camomila e afirmou que ali se julgava com base no protocolo com perspectiva de gênero. Tão logo soube que o caminhoneiro e a construtora não tinham proposta de acordo, condenou-os imediatamente — não só ao ressarcimento dos danos materiais, mas também ao pagamento de danos morais, diante do caráter discriminatório da conduta.


Quanto ao advogado, foi expedido ofício ao Tribunal de Ética pela suposta violação ao artigo 34, inciso XXX, do Estatuto da Advocacia