Artigo
Naquela tarde quente de uma terça-feira útil qualquer, o clima começou fervendo na Fazenda Teimosinha, pois lá se encontrava em diligência o doutor advogado, com um sorriso no rosto e, ao seu lado, o oficial de justiça, com um mandado do juiz autorizando a remoção de um trator por conta do contrato não cumprido de uma alienação fiduciária.
O doutor advogado, que possuía habilitação para dirigir veículos pesados, foi logo pegando as chaves do veículo alienado, pois o banco, seu cliente, embora tivesse seguro de todos os bens contratados e motoristas à disposição, gostava de economizar um troco — o que majorava os honorários do escritório.
Mandado assinado, o fazendeiro aborrecido de ter que devolver o trator bem na época da colheita da safra do café não teve outra alternativa senão cumprir a ordem.
— Quem manda comprar sem ter a certeza de que iria conseguir pagar — pensou o oficial de justiça, aborrecido por ter que acompanhar o advogado naquela diligência, sabendo que o dia estaria cheio, pois terça-feira é dia de o juiz e o promotor iniciarem a semana.
Embora a cidade fosse pequena, o único juiz, o único promotor e o único delegado viviam em pé de guerra entre si — e contra todos os advogados da região. Tanto que a Comissão de Direitos e Prerrogativas tinha muito trabalho. O único que conseguia acalmar essa bagunça toda era o padre, que vivia dando sermão aos envolvidos, que mesmo não comparecendo à igreja eram tratados e visitados em seus respectivos gabinetes.
Lá vai o doutor advogado, feliz da vida, com a liminar no colo, trator vibrando, poeira subindo, até que surge, cortando o horizonte como se estivesse treinando para a corrida da MotoGP, o senhor promotor de justiça numa motocicleta MV Agusta Rush 1000 — que havia sido apreendida no dia anterior, sob a custódia do delegado de polícia, que, em uma infeliz necessidade, se viu obrigado a autorizar o membro do parquet a levá-la para o fórum.
O fato é que, ao avistar o carro do juiz a caminho do fórum, distraído no viva-voz resolvendo um conflito entre seus serventuários, o promotor de justiça, na tentativa de não colidir, executa uma manobra radical para desviar da distração do magistrado.
Resultado? O trator, que vinha em marcha lenta, colide justamente com o carro do juiz — o mesmo que assinara a autorização para a remoção. E, por um azar do destino, a motocicleta que o promotor de justiça pilotava escorrega, deixando seu motociclista estirado no chão.
O juiz, ao sair do carro ainda com o diretor do cartório na linha, começa a gritar com o doutor advogado e com o promotor de justiça, sem saber que este último era seu colega de sala.
Viatura de polícia para acalmar os ânimos, ambulância para o promotor de justiça que, por sorte, apenas quebrou a perna... Sobrou para o doutor advogado, como se culpa tivesse no cartório.
E falando em cartório, não demorou nada para que os servidores — prontos para uma greve geral — restabelecessem a conversa, com foco no acidente daquela tarde.
Entre mortos e feridos, como sempre, sobrou para o doutor advogado a culpa pelo acidente, e ele já pensava no imbróglio jurídico. Lembrou da coincidência da aula que assistiu em sua pós-graduação sobre intervenção de terceiros e se imaginou sendo processado pelo promotor e pelo juiz, em litisconsórcio. A seguradora como assistente simples.
Mas o banco, para evitar problemas na comarca e aproveitando que o trator estava no seguro, resolveu toda a questão. O processo? Nem chegou a existir. Foi resolvido ali mesmo — com o juiz da cidade vizinha homologando o acordo e o padre abençoando o reboque.