Artigo
A doutora advogada comprou a todo custo, e depois de muita sucumbência conquistada, seu apartamento de 1 dormitório. Infelizmente, ele não vinha com vaga de garagem, mas já havia avisado ao zelador que, caso algum morador pudesse vender uma vaga, ela estava disposta a comprar, uma vez que elas eram de matrícula separada.
Percebendo que a doutora advogada era cascuda e não tinha medo de nada, o síndico contratou-a para ingressar com ação de cobrança referente a um empréstimo feito a uma moradora — justamente proprietária de uma vaga de garagem.
O processo até que tramitou rápido, pois a tal moradora, uma devedora contumaz que sempre pedia dinheiro emprestado ao síndico, sequer se preocupou em contratar advogado para lhe defender e deixou-se revel, com a vaga indo a leilão.
Por provocação, como a vaga estava sempre vazia, o síndico autorizou a doutora advogada a usar o espaço.
A vaga era da devedora — que, por ironia do destino, se chamava Mercedes e gritava aos quatro ventos: “Pode até tentar penhorar a minha vaga, mas quero ver vocês enfrentarem a minha fúria, já que é meu bem de família, meu único patrimônio.”
A doutora advogada até tentou uma composição amigável e comprar a garagem, quitando a referida dívida. Até sobraria um dinheirinho para a devedora. Mas nada dava certo. A garagem era território hostil, embora estivesse sempre desocupada.
Então veio a petição. A doutora advogada despejou todo o seu conhecimento jurídico, citou doutrina, jurisprudência, invocou até a alma do velho Pontes de Miranda e foi despachar com o juiz.
O juiz, tocado pelo drama e pela lógica implacável da Súmula 449 do STJ, deferiu a penhora e o síndico adjudicou a vaga da garagem e a vendeu em seguida para a doutora advogada.
Com o trânsito em julgado e a matrícula em mãos, a doutora advogada, feliz da vida, estacionou seu veículo com ar de conquista.
E dizem que, naquele dia, o síndico fez questão de abrir um prosecco em homenagem à doutora advogada que, depois de anos engolindo os desafios da devedora, viu se transformar um espaço vazio em símbolo de resistência jurídica.