Artigo

20/07/2025
Autor: Renata Soltanovitch
Audiência suspensa
crônica

Na sala abafada do fórum, com o ar-condicionado que não estava dando conta dos 40 graus que fazia do lado de fora, a doutora advogada ajeitava seu computador sobre a mesa, pois pretendia gravar a audiência, nos termos dos parágrafos 5º e 6º do Código de Processo Civil.


O meirinho, desconfiado, observava a doutora advogada e seu cliente: um jovem blogueiro, com roupa despojada e cheio de correntes de ouro.


O juiz entrou na sala pisando firme, mas o semblante carregado denunciava o mau humor. Ao seu lado, o digníssimo promotor de justiça.


Com ambos chegando juntos, a doutora advogada percebeu uma tendência à parcialidade, já que a vítima, ausente, estava ali representada pelo referido promotor. As perguntas do magistrado ao seu cliente eram feitas com um tom de deboche, desacreditando que alguém pudesse ganhar dinheiro de forma honesta sendo blogueiro e utilizando as redes sociais para vender mentorias de coaching.


Quando a doutora advogada tentou intervir em defesa de seu cliente, o juiz, com um sorriso irônico, disparou:


— Talvez o problema seja a sua formação. Afinal, não é de se esperar muito de uma faculdade de segunda linha.


A sala ficou em silêncio, e o promotor demonstrou desconforto com o comentário, pois conhecia a doutora advogada dos bancos acadêmicos — estudaram juntos no mesmo curso de Direito. O comentário, totalmente inadequado, foi carregado de preconceito.


A doutora advogada decidiu se retirar do recinto junto com seu cliente, dando por encerrada a audiência, afirmando que estava gravando e que tomaria as providências cabíveis.


Nervoso, o juiz tentou impedi-la de sair da sala, mandando o meirinho retirar o notebook da advogada, que já estava sendo guardado em sua mochila.


Mas, com voz firme, a advogada exigiu a presença da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB, gritando a plenos pulmões para que fosse ouvida por todos os presentes naquele fórum.


Os colegas advogados que estavam em outros ambientes correram para acudi-la.


O juiz, percebendo que havia exagerado, tentou justificar sua atitude, mas o estrago já estava feito. A audiência foi suspensa e remarcada para a semana seguinte.


Nos dias que se seguiram, a Comissão de Direitos e Prerrogativas atuou com afinco e foi preparado um pedido formal de afastamento do juiz, fundamentado na imparcialidade objetiva. O fato de o magistrado ter demonstrado um comportamento inadequado e desrespeitoso era suficiente para questionar sua capacidade de julgar o caso com isenção.


Na nova audiência, com outro juiz presidindo, a doutora advogada sentiu que, finalmente, seu cliente teria uma chance justa de ser ouvido. A experiência, embora desgastante, reforçou sua convicção na importância de lutar por um sistema de justiça verdadeiramente imparcial e de ter ao seu lado a presença da prerrogativa.


E, como dizia Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão para covardes.” A doutora advogada concluiu que Nelson Mandela estava certo: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”