Artigo

17/08/2025
Autor: Renata Soltanovitch
A beleza da propriedade
crônica

Antonia, senhora de modos elegantes e postura séria, bateu à porta do doutor advogado com uma missão: reivindicar, por vias legais, a propriedade do terreno que o vizinho prometera à sua mãe, em papel passado e na presença de convidados, quando as visitava para uma noite de sarau literário, com leitura de poesias e prosas, regada a vinhos e champanhes.


O doutor, homem versado em códigos e doutrinas, aceitou a causa com a seriedade de quem é intimado para uma audiência de instrução. Redigiu a petição com cautela, invocando artigos, jurisprudências e até uma citação de Machado de Assis: “A musa é a consolação final de tudo.”


Mas eis que surge Antonieta, irmã de Antonia, com olhos mais belos e sorriso adolescente. Pediu ao mesmo doutor que, caso a Justiça não reconhecesse o direito da irmã, reconhecesse ao menos o seu — pois, segundo ela, o vizinho também lhe prometera o mesmo terreno, encantado por sua beleza superior.


O doutor, talvez seduzido pela estética da causa, incluiu ambas no mesmo processo, em litisconsórcio ativo eventual, conhecedor do processo civil e acreditando que, para elas, o importante era o interesse da mãe em incorporar o terreno à propriedade da família.


O juiz, homem de toga e paciência curta, leu a petição três vezes. Encontrou nela o tal documento do vizinho, escrito à mão e assinado por testemunhas: “Dou o terreno à irmã mais bela.”


E ali estava o dilema jurídico-estético.


Confuso, o juiz, em audiência e na frente de todos, não decidiu sobre a propriedade, mas sobre a ética. Declarou conflito de interesses, extinguiu o processo e oficiou o tribunal de ética, pois parecia que o advogado estava infringindo a lei.


Antonia saiu indignada. Antonieta, ofendida. O doutor, suspenso. E o vizinho? Continuou no terreno, rindo baixinho, como quem sabe que a beleza, no Direito, é argumento perigoso — e o amor faz perder o juízo, conforme dizia Machado de Assis.