Artigo
O doutor advogado vestiu seu melhor terno, embora soubesse que a beca — emprestada da sala da OAB — só deixaria de fora seus sapatos. Seus sapatos!
Olhou para eles e correu até a Praça Antônio Prado, no centro histórico de São Paulo, para engraxá-los, pois, mesmo que os desembargadores não olhassem para eles (para os sapatos), deveriam estar bem preparados.
O motivo? Iria sustentar oralmente uma indenização milionária contra o Estado, já que as prerrogativas de uma colega advogada foram violadas por um promotor mal-humorado e desconhecedor dos argumentos jurídicos, que a humilhou de forma desnecessária diante dos jurados, de seus clientes e familiares, com o plenário lotado. Era puro dolo do promotor!
O processo passou anos no cartório forense, entre a juntada da petição de um processo físico e um eterno “manifeste-se a parte contrária”, com a vedação à aplicação da “decisão não surpresa” após cada documento juntado pela Procuradoria. Havia tanto recurso de agravo de instrumento que o doutor advogado se sentia dentro do livro O último dia de um condenado, acreditando que o feito se extinguiria por alguma preliminar de ilegitimidade de parte — já que o promotor sofrera pena de aposentadoria compulsória no decorrer do processo indenizatório.
Eis que, por dois votos a um, com extensão de julgamento para três votos a dois, o julgamento lhe foi favorável, com uma vitória que lhe ensejaria nota no site Migalhas e uma indenização que passava do mero aborrecimento.
Nos corredores do Tribunal ouviam-se elogios, e o doutor advogado saiu orgulhoso.
Mas foi posteriormente, na leitura atenta do acórdão, que constatou que seus honorários sucumbenciais haviam sido arbitrados por apreciação equitativa.
O arbitramento estava bem fundamentado no § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil: “o grau de zelo e a complexidade da causa” — já que o tempo exigido fazia parte do risco do negócio. Pois, como dizia Guimarães Rosa: “Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.”
O doutor advogado ainda pensou em recorrer para majorar seus honorários, mas lembrou da frase de Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” E entre o seu direito de majorar os honorários sucumbenciais e o recebimento da indenização da colega advogada que havia sido humilhada, preferiu este último — pois seus honorários contratados seriam pagos, o que lhe dava por satisfeito.
Ainda assim, no dia seguinte, ao ser contratado para fazer nova sustentação oral em caso semelhante e ao retirar a beca na sala da OAB daquele belo Tribunal, ao encarar os sapatos engraxados — feitos para enfrentar as batalhas jurídicas — o doutor advogado sorriu satisfeito. Porque a voz da advocacia jamais poderia se calar.